Gloomy Eyes – Análise
Gloomy Eyes apresenta-se como uma aventura de terror organizada em torno de uma jogabilidade cooperativa para um jogador e mergulhada numa estética que recorda os filmes de Tim Burton. O jogo foi desenvolvido pelo estúdio belga Fishing Cactus, é baseado numa curta-metragem de animação com o mesmo título que estreou em 2019, e chega à Nintendo Switch pela mão da editora polaca Untold Tales com o apoio do canal de televisão franco-alemão ARTE.

O enredo conta-nos que o sol deixou de brilhar e que as pessoas culparam os não-mortos, que sem a ameaça da luz solar puderam emergir da terra. Enquanto os vivos realizam uma série de artifícios bastante cruéis contra os não-mortos, o jogo coloca-nos na pele de um menino zombie de nome Gloomy, e de uma menina viva de nome Nena. Ao longo de catorze capítulos vamos percorrer secções do mundo dos vivos e resolver uma série de “puzzles” e obstáculos que requerem a cooperação de Gloomy e Nena, cada um com as suas habilidades. Os capítulos encontram-se apresentados sob a forma de dioramas, o que faz de cada nível uma pequena maravilha de se contemplar. Em cada capítulo vamos atravessar caminhos, esgueirarmo-nos ao longo de buracos apertados, trepar blocos e peças de mobiliário, ativar mecanismos para fazer avançar carrinhos de minas, evitar vigilantes humanos… as mecânicas são bastante orgânicas e encaixam perfeitamente na experiência de jogo. A partir do quinto capítulo, podemos a qualquer momento alternar entre Gloomy e Nena para resolver os “puzzles” que requerem a intervenção das duas crianças, num bom exemplo de jogabilidade cooperativa para um jogador. O que começa apenas por redirecionar a luz de candeeiros e abrir portas torna-se mais complexo, e nos capítulos mais tardios vamos realizar ações como mover plataformas, bloquear a visão dos vigilantes, cortar a eletricidade e libertar pirilampos. No final do jogo, somos surpreendidos com uma mudança na jogabilidade, mas que faz todo o sentido dentro do desenrolar do enredo.
Se o jogo não é monumental, podemos dizer que é uma obra bem feita. Os “puzzles” só têm uma solução possível, pelo que o desafio passa menos pela creatividade da abordagem e mais por descobrir o que temos de fazer naquele momento. Uma vez solucionado cada “puzzle”, o enredo avança. Os nossos dois protagonistas não dizem uma única palavra, mas o jogador é informado do enredo graças à narração muito bem vocalizada pelo ator irlandês Colin Farrell, que retoma o seu papel do filme de animação, e cuja voz distinta e gravada num registo perfeito ouvimos entre cada capítulo e quando avançamos na resolução dos “puzzles”. O enredo é bastante interessante e encaixa perfeitamente na missão que o jogo estabelece para si próprio de criar uma pequena aventura de terror, não se tratando de algo agressivo mas ambiental, e que nos consegue cativar a atenção graças ao seu trabalho audiovisual e simplicidade natural com que encaramos os “puzzles”. Destaque muito positivo para a tradução de todos os textos do jogo para português de Portugal, que foi feita com bastante competência.

Por falar em ambiente, estamos perante um trabalho que merece elogios. Cada capítulo, ou diorama se preferirmos, encontra-se cheio de pormenores no desenho de cada elemento. Junte-se a isso uma direção artística deliciosa, com uma palete de cores em tons escuros e que associamos imediatamente a uma temática de terror mas não sem falta de cores, e um jogo de luzes que sugere sem sombra de dúvida que estamos num mundo mergulhado nas trevas, e não se podia pedir mais. A banda sonora, composta por melodias dignas de uma produção cinematográfica (sem surpresas) atinge um ponto de equilíbrio onde não cria tensão desnecessária mas consegue mergulhar-nos no mundo perturbador que Gloomy Eyes nos coloca à frente. Destaque ainda para as personagens, com um desenho absolutamente magistral, desde Gloomy e Nena, ao maior vilão, o padre (tio de Nena) que lidera o esforço dos humanos contra os não-mortos, todos transmitem uma imagem de personagens bem desenvolvidas de uma animação de terror.
Nem tudo é perfeito, no entanto, e não raras vezes é difícil perceber quais são os caminhos que nos estão vedados. Gloomy Eyes não é um jogo de mundo aberto, é um jogo com um percurso fixo, onde solucionar um “puzzle” nos abre o caminho para o próximo, e onde podemos ainda apanhar alguns elementos adicionais como objetos do dia-a-dia, livros, panfletos, mochilas, etc., pelo que os momentos onde nos apercebemos de caminhos vedados podem tornar-se um pouco frustrantes. A movimentação bastante limitada da câmara também coloca alguns problemas. O jogo permite ainda ter uma vista global de cada diorama com a possibilidade de fazer rotação da câmara, mas isto acaba por nos revelar pouco. Felizmente nunca se perde demasiado tempo, embora durante a preparação desta análise nos tenhamos deparado com um local específico onde Gloomy ficou completamente preso sem se poder deslocar. É possível regressar ao último ponto de salvaguarda, o que é uma boa opção quando não sabemos o que fazer.
O formato portátil da Switch e Switch 2 serve muito bem os propósitos de Gloomy Eyes. Este é um jogo que pode ser abordado um capítulo de cada vez, enquanto jogadores mais dedicados podem acabá-lo numa tarde, com uma duração de pouco mais de duas horas. Não existe muito mais a fazer além de solucionar os “puzzles”, e mesmo os objetos que apanhamos pelo caminho, conhecidos como “Recordações”, não são algo capaz de dar uma segunda vida ao jogo. O enredo dá sempre vontade de avançar um pouco mais para saber o que Colin Farrell nos vai dizer a seguir, ou que mais vamos ver nesta sanha dos humanos em perseguir os não-mortos, ou como vai a amizade proibida entre Gloomy e Nena evoluir. Gloomy Eyes sai-se muito bem a criar ambiente e no processo narrativo, bem como no desenvolvimento de empatia para com os dois protagonistas, o que é um reconhecimento bem-vindo das suas características.
CONCLUSÃO
CONCLUSÃOPontos positivos
- Direção artística irrepreensível
- Ligação narrativa entre os "puzzles" e o enredo
- Acessível e cativante
- Textos inteiramente traduzidos para português de Portugal
Pontos negativos
- A câmara sofre de alguns problemas de posicionamento
- Um pouco curto para o preço de venda

Apreciador de jogos de outras épocas, não diz que não a uma boa obra dos nossos tempos. Diz-se que é por ele que passam os textos antes da publicação, o que significa que é uma espécie de boss final da escrita para os outros membros da equipa.